terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Estarão os professores preparados para a obrigatoriedade do Inglês no 1.º ciclo?

Conselho Nacional de Educação defende introdução do Inglês, como disciplina curricular, a partir do 3.º ano do 1.º ciclo, pelo menos duas horas por semana. E recomenda formação científica e pedagógica devidamente certificada para concretizar a ideia. Ministro da Educação vai ler a proposta com “toda a atenção”.


A introdução do Inglês no 1.º ciclo do ensino básico, como disciplina obrigatória, é uma vontade assumida pelo Ministério da Educação e Ciência (MEC) que pediu um parecer sobre o assunto ao Conselho Nacional de Educação (CNE) – com base num relatório técnico no âmbito de uma alteração ao funcionamento das Atividades de Enriquecimento Curricular (AEC). Os conselheiros do órgão consultivo da tutela reuniram-se e acabam de revelar os seus pontos de vista num parecer que será devidamente analisado pela equipa de Nuno Crato. O CNE defende que o Inglês deve ser ensinado a partir do 3.º ano do 1.º ciclo, pelo menos duas horas por semana, incluídas nas 25 horas curriculares. A recomendação do CNE não deverá, no entanto, entrar em vigor no próximo ano letivo. 

“Para além de não comprometer os objetivos de aprendizagem da língua materna (cuja centralidade importa preservar), encontra-se demonstrado que o contacto letivo precoce com uma língua estrangeira favorece a obtenção de níveis de proficiência mais elevados ao fim de, pelo menos, oito anos de ensino”, lê-se no parecer. As pesquisas feitas ao longo dos anos não são esquecidas pelo CNE. “A maioria dos estudos disponíveis sobre este assunto comprova a vantagem na iniciação precoce a qualquer língua estrangeira. Primeiro no plano lexical e logo a seguir no plano sintáctico, o aluno cria as bases para, ao fim de um processo regular de aprendizagem, poder desenvolver capacidades satisfatórias de escrita e de leitura e de oralidade fluente e eficaz”, acrescenta-se no documento. 

A medida não deverá ter um grande impacto em termos de custos, mas implicará a reorganização das atividades e os currículos terão de ser reajustados até ao ensino secundário, uma vez que o Inglês passará a disciplina curricular desde o 3.º ano. Para aplicar a ideia, o CNE defende que devem ser contratados professores com habilitações próprias, científicas e pedagógicas, em regime de coadjuvação do professor titular. E, além disso, sugere que sejam mantidas as 25 horas letivas, que o professor titular deve acompanhar as aulas de Inglês, e que o horário da disciplina seja definido de forma a garantir a intensidade na aprendizagem. 

E por que razão só a partir do 3.º ano? O CNE argumenta que o ensino do Inglês não deverá comprometer a aprendizagem da Língua Portuguesa e de outros “saberes básicos” nos primeiros anos da escola. No entanto, as escolas podem organizar atividades que despertem o interesse para o Inglês aos alunos do 1.º e 2.º anos. “A introdução de uma segunda língua não devia ser fator de perturbação da aprendizagem daquilo que são os saberes básicos e fundamentais, que são gerados nos primeiros anos de escolarização”, adianta David Justino, presidente do CNE e ex-ministro da Educação. 

Corrigir desigualdade 
Neste momento, o Inglês só entra no currículo dos alunos portugueses no 5.º ano. Em vários países europeus, este ensino começa mais cedo e o CNE apresenta o exemplo da Bélgica, onde se começa a aprender Inglês aos três anos. Em Portugal, a realidade é diferente. “Não se pode sequer dizer que essa desvantagem tenha sido atenuada pelo facto de, desde 2006, o Inglês ter vindo a ser oferecido no quadro das AEC do 1.º ciclo. Como é sabido, essa mesma oferta tem vindo a ocorrer em níveis de eficácia muito variados, obrigando a que o contacto com o Inglês no 5.º ano de escolaridade se efetue sempre em registo de iniciação.” E há outro dado a ter em conta. “As famílias mais favorecidas proporcionam sistematicamente aos seus educandos uma iniciação precoce ao Inglês, verificando-se uma situação de flagrante desigualdade que importa corrigir, através da escola, em relação aos alunos que não podem beneficiar desse importante suplemento de formação”, sustenta-se no parecer. 

A Associação Portuguesa de Professores de Inglês (APPI) sempre defendeu que a disciplina deveria tornar-se obrigatória precisamente a partir do 3.º ano do 1.º ciclo e já a partir do próximo ano letivo, ou seja, em 2014/2015. Mas a falta de professores preparados para lecionarem a disciplina em idades tão precoces é uma das principais preocupações da comunidade educativa. A APPI sabe que existe essa preocupação e avisa que não se deve impor essa lecionação aos professores do 3.º ciclo e secundário. O ideal será pensar em docentes com perfil para o ensino do Inglês aos mais novos. 

Em novembro do ano passado, Isabel Brites, vice-presidente da APPI, referia ao EDUCARE.PT que os agrupamentos deveriam poder recrutar os profissionais para trabalharem com os alunos do 1.º ciclo, que tanto poderiam ser os professores desse mesmo agrupamento, desde que reunissem as condições necessárias, como docentes com as habilitações adequadas. “E a lecionação do Inglês no 1.º ciclo tanto pode ficar a cargo de um professor especialista como do próprio professor generalista, o professor titular da turma, desde que tenha habilitações científicas e metodológicas para esse efeito”, dizia, nessa altura, acrescentando que “muitos desses professores já detêm licenciatura ou mestrado que os habilitam para tal”. 

O CNE estima que, neste momento, não haja professores com habilitações necessárias para avançar com o ensino do Inglês a partir do 3.º ano já no próximo ano letivo. O parecer sustenta, a propósito, que os docentes devem ser especialistas no domínio do “ensino precoce da língua”, o que envolve “formação científica e pedagógica, devidamente certificada”. “A preparação do lançamento da obrigatoriedade do Inglês no 1.º ciclo deverá obrigar a uma formação em moldes que o MEC deverá definir”, comenta David Justino. 

A transição que o CNE propõe terá de ser planeada pela tutela. “O MEC terá agora, espero que de forma planeada e sem grandes pressões, de concretizar este desígnio de introdução ao ensino do Inglês no 1.º ciclo”, refere o presidente do CNE. O ministro da Educação, Nuno Crato, promete ler “com toda a atenção” as recomendações do órgão consultivo e tomar “em devida conta” o parecer. Quanto à data de aplicação da medida e quanto à formação que os professores de Inglês terão de receber, o governante ainda não teceu quaisquer comentários. Perante o parecer do CNE, o PS desafia a maioria parlamentar a rever a sua posição sobre o assunto. “Face a este parecer, a pergunta que se coloca é qual é agora a opinião do PSD e do CDS-PP, que há alguns meses votaram contra uma proposta do PS”, refere a deputada socialista Odete João. Essa proposta do PS recomendava ao Governo o ensino obrigatório do Inglês no 1.º ciclo e a introdução de uma segunda língua estrangeira. 

Instabilidade pedagógica
Recorde-se que o parecer do CNE surge depois da polémica em torno da liberdade das escolas enquadrarem ou não a disciplina na oferta complementar ou nas AEC. O MEC lembrava, nessa altura, que o Inglês nunca tinha sido obrigatório no 1.º ciclo, mas, mesmo assim, não escapou a críticas de professores e políticos - mesmo depois de ter garantido que cerca de 90% das turmas do 1.º ciclo tinham Inglês nas AEC. As críticas intensificaram-se quando o ministro anunciou a realização de um teste de diagnóstico de Inglês no 9.º ano, que poderá ou não contar para a nota final dos alunos, conforme decisão de cada escola. 

No relatório técnico, que acompanha o parecer do CNE, é feito um balanço do ensino do Inglês no âmbito das AEC. Balanço feito a partir da opinião de 18 especialistas de diversas áreas de investigação e de dados de relatórios, estudos e experiências. Os números recolhidos indicam um aumento significativo do número de alunos e de escolas que lecionam Inglês nas AEC. Em 2006/2007, 42,8% das escolas ofereciam Inglês, percentagem que aumentou para 99,4% em 2012/2013. Quanto ao número de alunos abrangidos, verifica-se que no 1.º e 2.º anos evoluiu, no mesmo período, de 30,5% para 91,1%, enquanto no 3.º e 4.º anos passou de 88,8% para 91,2%. 

O aspeto positivo mais referenciado é precisamente a difusão do Inglês como língua de comunicação internacional que promove a abertura a outras culturas, potenciando, desde cedo, a motivação para a aprendizagem de uma língua estrangeira, de acordo com as diretrizes europeias. “O ensino do Inglês teve a vantagem de sensibilizar para a diversidade linguística e cultural, na perspetiva do plurilinguismo e com o desenvolvimento de competências interculturais e de uma atitude positiva face às línguas”. 

Há, porém, vários aspetos negativos. Falta de formação dos professores de Inglês nas AEC a nível didático e pedagógico e pouca preparação para o ensino precoce da língua. Recrutamento de professores que, em alguns casos, não foi criterioso. “Os professores recrutados podiam ser das mais variadas áreas, desde que tivessem certificado, ou alguma experiência com crianças, em ATL. Contudo, alguns professores não estavam preparados metodologicamente para aquele nível de ensino. E alguns não tinham o devido conhecimento científico/linguístico”, alerta-se no relatório. A rotatividade dos professores, que provoca instabilidade pedagógica, também é referida como aspeto negativo. 

O documento realça ainda a falta de articulação entre ciclos, de progressão e sequencialidade das aprendizagens, uma vez que o Inglês é uma disciplina não obrigatória nas AEC. A falta de manuais e de outros recursos pedagógicos e a insuficiente oferta de formação também surgem no lado dos fatores negativos. “Relativamente a orientações programáticas, são apontadas insuficiências por não existir um plano de estudos específico para cada ano, mas apenas linhas orientadoras e sugestões metodológicas para os dois primeiros e para os dois últimos anos. As orientações programáticas não apoiaram devidamente os professores que não dominavam as estratégias de ensino adequadas aos alunos daquele nível de ensino”, sublinha.

Fonte: educare.pt

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