As crianças
têm direito a não gostar de todos os professores. E têm direito a dar bolas amarelas ou vermelhas, por mau comportamento, a
todos aqueles que não queiram ser mágicos, porque só esses dão colo e dão
regras, instigam a curiosidade e acarinham as perguntas, brincam e contam
histórias enquanto ensinam.
As crianças têm,
também, direito a considerar os professores como alguém que, pela sua
importância, fica para sempre, como O Norte, dentro de si: pelo modo como
educam, pela forma como cuidam, pela bondade com que escutam, pela maneira como
se comovem e pelo jeito como se riem com as trapalhadas de quem descobre.
As crianças têm,
ainda, o direito a ser reconhecidas pelo seu nome, por todos os professores,
sejam quais forem as escolas que os seus pais entendam que elas devem
frequentar. As crianças reconhecem que as escolas públicas e as escolas
privadas são escolas, simplesmente, porque em todas elas é a diversidade dos
professores que faz com que, pelo bem que eles representam, todas as crianças
tenham de o usufruir. Por isso mesmo, manifestam preocupação por todos os
professores que, contra a sua vontade, estão em escolas que rejeitam crianças
pelo seu estatuto social ou económico, pelo seu credo ou pela sua cor, pelo
sucesso ou o insucesso com que chegam, pelas médias de anos anteriores ou, até,
pela configuração da sua família ou pelo seu sexo, porque as escolas são
lugares plurais, que ensinam com bons exemplos, pelo modo como acolhem a
pluralidade, como convivem com a diversidade e como nunca cedem à verdade. Não
sendo assim, escolas amigas da exclusão são maus exemplos. E, por isso mesmo,
não são boa escola nem para os professores nem para ninguém.
As crianças
reconhecem que os professores lhes dão que pensar: e é por isso que os respeitam.
Mesmo que, muitas vezes, haja professores que imaginem as coisas que se
aprendem como produtos ultra-congelados – que não apuram a sensibilidade nem o
paladar, que (mal se digerem) logo se repetem – diante dos quais só os
sabichões e os sabidos (nunca as crianças que precisam de dar vários erros para
aprenderem) parecem ter sucesso.
As crianças
sabem, também, que os professores bonzinhos são pessoas generosas mas...
desengonçadas: porque deixam que haja crianças que fazem greve de zelo aos
trabalhos na aula; porque acham que são os pais que as devem ensinar acerca de
tudo aquilo de que eles deixam sempre por falar na aula; e porque permitem que
haja crianças que sejam, continuadamente, mal-educadas, que não estimam o bem
precioso que a escola tem de ser para todos nós.
Mas é por tudo
aquilo que os professores têm de precioso e de indispensável que as crianças
não compreendem que eles sejam mal remunerados, desconsiderados e – às vezes,
até – enxovalhados, porque quem luta pela paixão de dar a conhecer tem tanto de
sábio como de aventureiro e, por isso mesmo, devia ser objeto de todos os
cuidados. Porque é pela mão deles que o mundo pula e se transforma, se torna
justo, se abre ao novo e à mudança, e liga curiosidade, com sensatez e com
paixão.
E é por isso,
também, que as crianças se preocupam com a imensa quantidade de professores que
condescendam, por necessidade, com projetos educativos que, muitas vezes, são
batoteiros. Onde há disciplinas de primeira e, outras, de “baixa categoria”, e
onde as classificações têm de ter “pó de arroz” (porque as escolas acham que os
pais estão sempre interessados em ter filhos com boas notas, mesmo que não
aprendam), e onde os rankings, com um pouco de botox, mesmo que sejam
mentirosos, não fazem mal a ninguém.
E preocupam-se,
mais, porque muitos professores (a maioria, seguramente) têm de tolerar colegas
que, sendo contra a avaliação dos professores, mal chegam à altura de avaliar
os colegas, insinuam, ameaçam e retaliam. E porque muitas direções de escolas
têm à sua frente pessoas carrancudas que – por espírito de missão, só pode ser
– são a prova viva que quem não se afirma como autoridade, pela sabedoria e
pelo sentido de justiça, não sabe escutar, não sabe ensinar nem sabe dirigir. E
preocupam-se, ainda, com ministérios e com ministros que parecem não gostar dos
professores. Que os imaginam rudimentares, e que os obrigam a estar na escola,
mesmo que nelas não disponham de condições para trabalhar (como se um professor
fosse um rebelde, mais ou menos incorrigível, diante do qual só o pulso firme
do “antigo regime” parecesse educá-lo).
As crianças
reconhecem que é preciso ser um bocadinho estranho para se ser professor. E
escutar confissões, e abrir o coração como muitos tios e alguns pais jamais
farão. E aconselhar. E recomendar. E, por um sorriso, ir à lua, e voltar. E
tolerar alguns pais insolentes e mal-educados, daqueles que quanto mais omissos
são mais exigem à escola aquilo que não dão. E conviverem com alguns colegas
que culpam as famílias de tudo o que vai mal na escola, e se vingam nas
crianças dum sistema que os alimenta sem merecerem. E com vários outros que
acham que se as crianças são desatentas o problema é sempre da dosagem das
gotas que as separa da sabedoria sintética e nunca daquilo que se passa na
escola, daquilo com que se chega à escola ou daquilo que se espera dela.
As crianças
reconhecem que um professor é o melhor amigo da insubmissão. Porque apesar de
todos os maus tratos, percorrem quilómetros, todos os dias, atrás dum sonho. E
pagam materiais didáticos porque os recursos das escolas são, vergonhosamente,
escassos. E aceitam turmas cada vez maiores e tempos letivos que são inimigos
da conversa. E horas de trabalho obscenas, a que não faltam tempos de reuniões
que, dependendo dos humores de quem as marca, se prolongam e eternizam. E a
ideia que as instalações escolares e os projetos educativos (que alguém
concebeu num papel) fossem sempre mais importantes que a sabedoria e a
humanidade dum professor. E fazem de conta que acham razoável que brincar e
aprender nunca se casem na educação, e que acreditam que os alunos são
tecnocratas, nunca artesãos, e que não precisam duma mestre – acutilante,
arrojado e sensato – que lhe dê respostas a todos os porquês (que a escola
raramente premeia e acarinha). E mais porquês, ainda.
As crianças
admiram os professores! Como admiram poucas pessoas mais. E admiram a beleza
com que eles as cativam, o engenho humano para o qual as despertam e as
histórias que eles lhes trazem, e que sintetizam a sabedoria que a ciência e a
técnica nunca conseguem abarcar. As crianças admiram os professores porque
sabem que admiração supõe espanto e surpresa, supõe respeito e estima, supõe
gratidão (por merecermos todas as interpelações que qualquer experiência de
admiração traz ao nosso coração) e supõe, ainda, humildade (diante do
reconhecimento de sermos pequeninos, ao pé de tudo aquilo que admiramos).
As crianças
sabem que quem não admira não aprende. E não concilia humildade com orgulho,
esperança com dor, e ambição com paciência. As crianças admiram os professores
porque dão colo e dão regras, porque instigam a curiosidade e acarinham as
perguntas, porque brincam e contam histórias enquanto ensinam, porque são
amigos do espanto e da surpresa, da justiça e da bondade. E é por tudo isso que
lembram a todos os pais, a todas as pessoas (e aos governantes, também) que,
porventura, desconheçam o bem precioso que um professor pode ser, que quem não
olha para cima, não admira, não cresce nem aprende. Acha-se a si própria o
topo, porventura. Mas não é!
(Fonte:http://www.paisefilhos.pt/index.php/destaque/6844?start=1)
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